O texto a seguir não é recomendável
a quem tem intolerância à lactose e ao livre exercício da opinião.
A Igreja Católica tem mostrado
grande esforço para ajustar seu calendário de existência a uma maior taxa de
secularidade. Mesmo acreditando que a maior parte das ações são peças de
marketing é possível supor que em algumas gerações teremos uma igreja mais
humilde, verdadeira e santa, mais parecida com o seu Criador.
Dentro dessa agenda de cortes
na carne - que inclui a confissão de pecados e crimes dos mais variados tipos e
tamanhos – um me parece essencial para que a fé dos cristãos seja um ato também
de inteligência e não “um mergulho cego de um edifício em chamas” *: a Igreja
deve falar a verdade sobre a Bíblia, o seu livro sagrado.
Alguns pontos me parecem
indiscutíveis, mesmo para o mais conservador religioso:
1. A Bíblia não é um livro,
mas um conjunto de livros. Entre o primeiro texto e o último há um intervalo de
uns três a quatro mil anos. A maioria dos livros não tem um autor definido. Em
geral surgiram como tradições orais que depois foram gravadas em pedras,
papiros e pergaminhos.
2. Deus – se existe - não
escreve livros. Deus pode ter inspirado os autores (e isso é uma questão de fé
plausível). Mas, a considerar a quantidade de contradições, conflitos e
bizarrices, difícil aceitar que uma divindade esteja por trás dessas obras.
3. A Bíblia não é um livro de
história ou de ciência, mas de mensagens religiosas, dirigidas a um grupo bem
específico, diante de situações históricas bem próprias. Portanto não pode ser
usada como um manual de verdades, leis e regras universais. O que era bom para
uma tribo de criadores de cabras que morava no meio do deserto há três mil anos
não vale necessariamente para um cidadão urbano contemporâneo.
4. A Bíblia foi falada,
escrita, traduzida, editada, revista, censurada, adequada, montada e remontada
dezenas de vezes. Não é possível garantir que os textos que conhecemos hoje são
idênticos aos originais. Apenas a título de exemplo, a expressão na profecia de
Isaías “uma moça conceberá” foi traduzida como “uma virgem conceberá”, equívoco
ou intenção, que gerou um dos dogmas do cristianismo.
5. A Bíblia só começou a ser
montada quando o cristianismo se tornou religião legalizada no império Romano
de Constantino. Porém, até o período Reforma (século XVI), era crime punível
com a fogueira ter um exemplar do livro sagrado. O acesso aos textos só era
permitido às autoridades eclesiásticas.
São verdades simples que, a
meu ver, não mudam a relação do crente com Deus, mas criam um ambiente de
verdade nessa relação. E, como está escrito, “é a verdade que vos libertará”.
Eu respeitaria mais a Igreja
por isso.
* Quando participava de movimentos de igreja ouvi essa
definição de fé: um prédio em chamas e uma pessoa chega à janela, desesperada.
Lá em baixo alguém grita que pule. A pessoa diz, “mas não vejo nada!”. Isso é a
fé, completava o padre, a certeza de que, mesmo nada vendo, será amparado.