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6 de dezembro de 2015

O REMÉDIO QUANDO MATA CHAMA VENENO



Este texto completa a reflexão do post "MUDANÇA OU MORTE", onde trato sobre como as transformações da sociedade estão afetando a produção e o consumo de cultura.
Neste, proponho um olhar sobre as consequências das políticas públicas para o setor nas últimas décadas. 

#2. Antes que se diga o estado não deve se meter, eu digo que vejo isso com ressalvas. O poder do capital adora o princípio da liberdade de mercado com suas regras próprias de oferta e consumo. É mais ou menos o que alguns grupos religiosos chamam de livre arbítrio.
Os neoliberais adoram a liberdade do mercado até o dia em que vão negociar favores fiscais em bancos públicos.
Não há livre arbítrio como não há liberdade de opção dentro de um sistema onde a força do capital, através da publicidade e outras ferramentas de coerção, impõem hábitos e vontades.
Daí, acho razoável que o estado entre como fator de equilíbrio no jogo. A questão é 'como?'.

Antigamente, um produtor cultural investia seu próprio dinheiro ou crédito, ou às vezes conseguia patrocínio de amigos ou empresas para financiar uma produção.
Os órgãos públicos de cultura sempre foram os menores orçamentos num país que sempre adorou gritar aos quatro ventos sobre como é importante a cultura de um povo.

No começo da década de 90 foi criada a Lei Rouanet que parecia ser a solução para todos os problemas de financiamento. Basicamente é um mecanismo de isenção fiscal que apresentava uma fórmula mágica: a empresa, ao invés de pagar Imposto de Renda, investe em cultura e ainda ganha em exposição de marca. Perfeito! Não pode dar errado.
Deu.

A Lei - que depois viralizou em centenas de Leis Estaduais e Municipais semelhantes - cometeu dois pecados originais:
. Um, o burocratismo.
. Dois, transferiu para o mercado a decisão sobre o que deve ou não ser produzido.

O burocratismo é a estrutura complexa e centralizada de acesso aos benefícios da Lei. O produtor cultural passou a ter que ser economista, contador, administrador e lobista. Com o passar dos anos surgiram pessoas e empresas especializadas em projetos e captação de recursos. Algumas, dentro das próprias empresas patrocinadoras.
Não é para amadores. Se eu quiser montar uma peça, tenho que abandonar o processo de criação e me dedicar a cumprir as obrigações e exigências desse mecanismo de incentivo, que deixou de ter como foco a arte e passou a cuidar de se proteger.
Digite Lei Rouanet e verá que o domínio www.leirouanet.com pertence a uma empresa que oferece a aprovação e captação para o seu projeto.

Em segundo lugar, mas não menos desastroso, foi a deformação de entregar às empresas a decisão sobre o que patrocinar. Natural. Vivemos num regime capitalista e nada mais apropriado que o capital privado (ou público) decida onde deve investir sua marca. Isso significou, basicamente, que quem consegue captar recursos é justamente quem não precisaria dos mecanismos públicos de incentivo. Meu projeto chega à comissão de avaliação da Petrobrás junto com uma peça do Antônio Fagundes. Entendeu?

E foi assim que um imenso potencial produtivo foi lançado à periferia do mercado.
Esses mecanismos precisam ser reavaliados e outros criados.

Eu penso num plano simples que poderia mudar radicalmente a maneira de financiar a cultura no país: as grandes empresas públicas, como CEF, BB e os Correios, que estão presentes em quase todos os municípios do país, deveriam reservar uma porcentagem de seu lucro para, obrigatoriamente, ser investido nos municípios onde estão sediados e deixariam de ir para a conta única central. E um conselho local decidiria a utilização do dinheiro.
Isso significaria a pulverização de recursos, mantendo ainda grandes volumes para grandes centros. E sem extinguir os mecanismos existentes.




  

4 de dezembro de 2015

MUDANÇA OU MORTE





Só a publicidade acredita num cenário otimista, associando consumo à felicidade. Como eu vejo, as coisas não caminham para um final feliz. Diferente do que querem fazer crer, os processos de transformação da sociedade não são "naturais" nem inevitáveis. E não há evidências de que um plano divino conduz a humanidade para um lugar melhor. São movimentos estimulados e conduzidos por interesses de grupos e corporações. O modelo de consumo imposto pelo capitalismo global terá graves e trágicas consequências. É preciso reagir a isso.

Com esse viés, queria tratar do complicado e assustador ambiente da produção cultural no Brasil, afetado #1 pelas profundas mudanças promovidas pela revolução tecnológica e #2 pelas formas de ingerência do poder público no mercado.  
#1. A maneira como a sociedade passa a consumir o produto cultural tem mudado veloz e radicalmente. Sem que os agentes envolvidos na produção consigam acompanhar. 

As salas de cinema viraram lojas de shopping e isso significou muito mais que uma mudança de lugar. Mudou o conceito: criou-se o filme fast-food. Até parece cinema. Vai sendo comprimido para dispositivos cada vez menores em que 'onde se vê' passa a ser mais importante do que 'aquilo que se vê'. Isso afeta toda a cadeia produtiva.
Acima de tudo, as mídias digitais estão definindo um novo ritmo na apreciação da arte. Um vídeo no Youtube dura uns quatro minutos de grosserias e bobagens. Existe uma relação inversamente proporcional entre a qualidade do conteúdo e a quantidade de visualizações. 

De um modo geral, vivemos um momento de "idiotização" da sociedade, que encontrou os veículos perfeitos para sua instalação e expansão. Isso explica a dominância do gênero sertanejo universitário, do funk carioca, do stand up escatológico e outras manifestações que primam pela superficialidade e baixa qualidade. São ótimas como pura diversão, nada contra. Mas enquanto instrumentos de desenvolvimento civilizatório são um fracasso.

É importante enfatizar o aspecto da dominância de determinados gêneros, porque isso vai afetar o mercado de maneira negativa. O melhor cenário seria aquele onde existissem oportunidades mais ou menos equilibradas de espaços e recursos para todos.
Resumindo, já temos uma geração que não quer mais ver aquelas coisas antigas e nem ver coisas novas como eram antigamente exibidas. E esse grupo representa alguma coisa em torno de 90% desse público.

Chegamos ao que supomos ser #2 o papel dos governos.
Sobre isso trato na próxima postagem para não ficar um texto desanimadoramente grande.

6 de novembro de 2015

O MEDO DA MULHER




Convido você a uma pausa para uma reflexão importante. No meu livro "Como Fracassar na Vida e Ser Infeliz no Amor" trato da diferença entre homens e mulheres e faço uma provocação: Homens não gostam de mulheres e mulheres não gostam de homens.
Confesso que quando comecei a construir essa piada não tinha noção de quão profunda podia ser a verdade contida ali.
Hoje e aqui nesse contexto eu vou mais fundo e além: Além de não gostar, a mulher tem medo do homem.
E isso é muito grave.
Recentemente, o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio, uma mutação do antigo vestibular), usou como tema para a redação "a persistência da violência contra a mulher na nossa sociedade".
A reação foi intensa e até onde vi, masculina. Acusaram de ideologização do tema e de manipuladora seletividade. "Ora, por que não falam sobre a violência contra os haitianos, por exemplo".
Os homens não só são os principais agentes da violência contra a mulher como têm profunda dificuldade em reconhecer isso.
Mas, números mostram que é um tipo de violência que não cede, até porque as políticas públicas de segurança específicas para proteger a mulher do homem não mostram um esforço devidamente proporcionado.  
O dado alarmante e extremamente importante é que a principal ameaça à integridade física ou emocional da mulher está dentro do círculo familiar próximo. Literalmente ela dorme com o inimigo.
Recentemente um vídeo publicado no Youtube provocou intensa repercussão. Uma garota filmou um passeio na rua mostrando a quantidade de vezes que era assediada por homens. Desde um simples fiu-fiu até grosserias bem agressivas.
Do ponto de vista do homem, "ora bolas, só estava fazendo um elogio chamando ela de gostosa".
Do ponto de vista da mulher "a violência sexual começa com um fiu-fiu e se eu não souber me defender, acaba num estupro".
E a história mostra que elas têm razão.
E o ponto de vista masculino continua, "mas se elas não querem que a gente as chame de gostosa, por que se vestem de maneira tão provocante?".
Ora, idiota, quem foi que disse que ela se vestiu para provocar você? A mulher se veste como quiser e não precisa dar satisfação ou motivo a você.
Esse raciocínio neandertal masculino é perigosamente comum e usado para justificar muitos casos de violência, criminalizando a vítima: "Com aquela roupa, ou com aquele comportamento, ela estava pedindo para ser violentada".
Nossa tradição religiosa ocidental judaico-cristã reforça esses estereótipos. Desde a mais tenra idade ensinamos nossos filhos a rezar pro Papai-do-Céu. O deus é homem, criador e todo poderoso. Ele manda ao mundo seu filho, que é homem, que nunca se sujou com mulher e que também nasceu de uma mulher que nunca fez sexo. Jesus teve 12 apóstolos homens e até hoje a Igreja Católica não aceita que as mulheres tenham equidade no ministério. São servas e esposas virgens de Jesus.
Por séculos foram queimadas como bruxas ou amputadas como histéricas. Ainda hoje são mutiladas para que lhes seja privado o prazer sexual.
Nos parlamentos e nas igrejas, homens - os mesmos que as queimaram e mutilaram, lutam - em nome do deus homem e pai - para impedir que elas tenham poder sobre seu próprio corpo, porque, afinal, o macho ainda se considera proprietário da mulher, do seu corpo e da sua cria.
Insisto, saímos da caverna, mas a caverna não saiu de nós.
As mulheres avançaram bastante no debate da identidade de gênero. Os homens continuam tratando o assunto como ameaça. Medo de perder o controle sobre esse incrível poder de criação que é da mulher. Porque eles sabem que quem decide se vai haver e com quem vai haver sexo, é a mulher.
E elas de maneira justa querem o poder definido em lei por decidir se e quando terão filhos.
Está sendo quebrada uma estrutura de dominação milenar. É muito para a cabeça masculina.
Também o homem tem medo da mulher.

6 de julho de 2015

QUESTÃO DE GÊNERO


Grupos religiosos tentam impor à sociedade um conceito de família e de gênero baseado em suas crenças. Para eles, tal definição está sustentada pelos textos sagrados da Bíblia, que expressam a vontade de Deus.
Eu me pergunto, será que eles conhecem de fato o que a Bíblia diz sobre relacionamentos, família e principalmente, sobre a condição da mulher?
Senão, vejamos.
Deus não criou o homem e a mulher. Criou o homem e só depois percebeu que ele não tinha uma "adjutora". Foi então que pegou uma costela e dela fez a mulher. (Gn 2:20-22)Grupos religiosos tentam impor à sociedade um conceito de família e de gênero baseado em suas crenças. Para eles, tal definição está sustentada pelos textos sagrados da Bíblia, que expressam a vontade de Deus.
Eu me pergunto, será que eles conhecem de fato o que a Bíblia diz sobre relacionamentos, família e principalmente, sobre a condição da mulher?
Senão, vejamos.
Deus não criou o homem e a mulher. Criou o homem e só depois percebeu que ele não tinha uma "adjutora". Foi então que pegou uma costela e dela fez a mulher. (Gn 2:20-22)
A mulher não é, do Gênesis ao Apocalipse (e são inúmeros os exemplos), um ser humano em condição de igualdade com o homem. Ela é propriedade dele. (Ex 20:17)
E para piorar sua condição, ela vai carregar a culpa e receber o castigo: "Multiplicarei grandemente o seu sofrimento na gravidez; com sofrimento você dará à luz filhos. Seu desejo será para o seu marido, e ele a dominará”. (Gn 3:16)
As mulheres são sempre "impuras" (Lv 12:1-5), ainda mais se derem à luz uma menina. Puros são apenas aqueles "que não se contaminaram com mulheres", (Ap 14:3-4) e só esses estarão ao lado do "Cordeiro".
Os homens, especialmente os primogênitos, são os queridinhos do Senhor. Entre os benefícios de ser homem, está o de ter mais de uma esposa e algumas concubinas. Desde Lameque (Gn 4:19), passando por Abraão (Gn 25:1-6) e Jacó (Gn 29:18-30), o que constatamos é que as "famílias" dos patriarcas do cristianismo são bem variadas, o que inclui até mesmo casos incestuosos (Gn 20:12).
São modelos que pertencem a um outro tempo e outra cultura. Então, por que são reclamados como padrões para a sociedade brasileira contemporânea?
A Bíblia tem lindas mensagens, mas também uma coleção imensa de absurdos e contradições. Especialmente quando trata dessa pauta de gêneros, famílias e relacionamentos. O que é compreensível quando se lembra quando e por quem foi escrita.
O Estado Laico não tem fé. Não tem religião. Não tem crença, senão no respeito pela possibilidade de que todos possam escolher como constituir sua família e exercer seu afeto, tendo como único limite o bem comum.

A mulher não é, do Gênesis ao Apocalipse (e são inúmeros os exemplos), um ser humano em condição de igualdade com o homem. Ela é propriedade dele. (Ex 20:17)
E para piorar sua condição, ela vai carregar a culpa e receber o castigo: "Multiplicarei grandemente o seu sofrimento na gravidez; com sofrimento você dará à luz filhos. Seu desejo será para o seu marido, e ele a dominará”. (Gn 3:16)
As mulheres são sempre "impuras" (Lv 12:1-5), ainda mais se derem à luz uma menina. Puros são apenas aqueles "que não se contaminaram com mulheres", (Ap 14:3-4) e só esses estarão ao lado do "Cordeiro".
Os homens, especialmente os primogênitos, são os queridinhos do Senhor. Entre os benefícios de ser homem, está o de ter mais de uma esposa e algumas concubinas. Desde Lameque (Gn 4:19), passando por Abraão (Gn 25:1-6) e Jacó (Gn 29:18-30), o que constatamos é que as "famílias" dos patriarcas do cristianismo são bem variadas, o que inclui até mesmo casos incestuosos (Gn 20:12).
São modelos que pertencem a um outro tempo e outra cultura. Então, por que são reclamados como padrões para a sociedade brasileira contemporânea?
A Bíblia tem lindas mensagens, mas também uma coleção imensa de absurdos e contradições. Especialmente quando trata dessa pauta de gêneros, famílias e relacionamentos. O que é compreensível quando se lembra quando e por quem foi escrita.
O Estado Laico não tem fé. Não tem religião. Não tem crença, senão no respeito pela possibilidade de que todos possam escolher como constituir sua família e exercer seu afeto, tendo como único limite o bem comum.
(Obs - na foto, Abraão e Sara, sua esposa e meio-irmã)