Este texto completa a reflexão do post "MUDANÇA OU MORTE",
onde trato sobre como as transformações da sociedade estão afetando a produção
e o consumo de cultura.
Neste, proponho um olhar sobre as consequências das políticas
públicas para o setor nas últimas décadas.
#2. Antes que se diga o estado não deve
se meter, eu digo que vejo isso com ressalvas. O poder do capital adora o
princípio da liberdade de mercado com suas regras próprias de oferta e consumo.
É mais ou menos o que alguns grupos religiosos chamam de livre arbítrio.
Os neoliberais adoram a liberdade do mercado até o dia em que
vão negociar favores fiscais em bancos públicos.
Não há livre arbítrio como não há liberdade de opção dentro
de um sistema onde a força do capital, através da publicidade e outras
ferramentas de coerção, impõem hábitos e vontades.
Daí, acho razoável que o estado entre como fator de
equilíbrio no jogo. A questão é 'como?'.
Antigamente, um produtor cultural investia seu próprio
dinheiro ou crédito, ou às vezes conseguia patrocínio de amigos ou empresas
para financiar uma produção.
Os órgãos públicos de cultura sempre foram os menores
orçamentos num país que sempre adorou gritar aos quatro ventos sobre como é
importante a cultura de um povo.
No começo da década de 90 foi criada a Lei Rouanet que
parecia ser a solução para todos os problemas de financiamento. Basicamente é
um mecanismo de isenção fiscal que apresentava uma fórmula mágica: a empresa,
ao invés de pagar Imposto de Renda, investe em cultura e ainda ganha em
exposição de marca. Perfeito! Não pode dar errado.
Deu.
A Lei - que depois viralizou em centenas de Leis Estaduais e
Municipais semelhantes - cometeu dois pecados originais:
. Um, o burocratismo.
. Dois, transferiu para o mercado a decisão sobre o que deve
ou não ser produzido.
O burocratismo é a
estrutura complexa e centralizada de acesso aos benefícios da Lei. O produtor
cultural passou a ter que ser economista, contador, administrador e lobista.
Com o passar dos anos surgiram pessoas e empresas especializadas em projetos e
captação de recursos. Algumas, dentro das próprias empresas patrocinadoras.
Não é para amadores. Se eu quiser montar uma peça, tenho que
abandonar o processo de criação e me dedicar a cumprir as obrigações e
exigências desse mecanismo de incentivo, que deixou de ter como foco a arte e
passou a cuidar de se proteger.
Digite Lei Rouanet e verá que o domínio www.leirouanet.com pertence a uma empresa
que oferece a aprovação e captação para o seu projeto.
Em segundo lugar, mas não menos desastroso, foi a deformação
de entregar às empresas a decisão sobre o que patrocinar. Natural. Vivemos num
regime capitalista e nada mais apropriado que o capital privado (ou público)
decida onde deve investir sua marca. Isso significou, basicamente, que quem
consegue captar recursos é justamente quem não precisaria dos mecanismos
públicos de incentivo. Meu projeto chega à comissão de avaliação da Petrobrás
junto com uma peça do Antônio Fagundes. Entendeu?
E foi assim que um imenso potencial produtivo foi lançado à periferia
do mercado.
Esses mecanismos precisam ser reavaliados e outros criados.
Eu penso num plano simples que poderia mudar radicalmente a
maneira de financiar a cultura no país: as grandes empresas públicas, como CEF,
BB e os Correios, que estão presentes em quase todos os municípios do país, deveriam
reservar uma porcentagem de seu lucro para, obrigatoriamente, ser investido nos
municípios onde estão sediados e deixariam de ir para a conta única central. E
um conselho local decidiria a utilização do dinheiro.
Isso significaria a pulverização de recursos, mantendo ainda
grandes volumes para grandes centros. E sem extinguir os mecanismos existentes.
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